sábado, 30 de junho de 2018

A acuidade visual do falcão


José Saramago, no documentário intitulado “Janela da Alma”, afirma que se o “Romeu da história” tivesse a mesma acuidade visual que tem o falcão (ou a águia), provavelmente não se apaixonaria por Julieta. Isso porque seus olhos veriam uma pele que não é o que estamos acostumados a ver. Ele veria imperfeições que seriam desagradáveis a seus olhos.

Embora o grande respeito pela obra do escritor laureado com o Nobel de Literatura e um mestre do pensamento em seu tempo, não posso concordar com aquela afirmação. Somos seres dotados da capacidade de criar fantasias que escapam flagrantemente a mais clara realidade. Quando se trata de paixão então... são tantos os fatores a contar. Os sentidos operam em conjunto ou dissociados. Ora mais forte fala o odor ao captar o perfume e as fragrâncias da pele e dos cabelos. Ora o tato, mais que os olhos, descreve a textura da pele macia ou áspera que para cada um traz uma diferente sensação. Conta ainda o som da encantadora voz humana ao chegar aos ouvidos quando canta, fala, recita um poema ou simplesmente murmura palavras de toda espécie. E mesmo o paladar pode ser o limitador entre a paixão absoluta e o completo desinteresse (corrijam-me os chefs).

É importante também lembrar que não somos todo e apenas físico. Algo nos é transcendente. E gostamos uns dos outros ou nos odiamos nem sempre baseado nos nossos 5 sentidos mais naturalmente observados. É claro que estes são o nosso meio de comunicação com o mundo exterior, mas, por vezes, o inexplicável é a melhor explicação para os sentimentos humanos.

Não podemos negar que dotados da acuidade visual do falcão nossa visão do mundo seria outra. Mas não podemos dizer que paixões tão magníficas como a da história de Romeu e Julieta possam ser impossíveis apenas pela ausência de uma tez de bisqüi a encantar os olhos.

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